Crítica by Raphael Ritchie: Dormir de Olhos Abertos acompanha Kai, uma jovem imigrante chinesa que chega ao Recife após um rompimento afetivo e acaba se envolvendo, quase por acaso, com outros trabalhadores chineses que vivem à margem da cidade.
A narrativa começa com um ar-condicionado quebrado e uma visita a uma loja de guarda-chuvas, mas logo se transforma numa travessia silenciosa por espaços onde o afeto, o exílio e o trabalho se misturam, tudo atravessado por uma sensação constante de deslocamento.
A câmera observa sem se aproximar, como se os protagonistas estivessem trancados em um sistema que os sufoca, mas ao mesmo tempo impedisse qualquer aprofundamento emocional.
Além disso, o filme não estabelece uma linha narrativa clara nem propósitos definidos. As cenas se sucedem de forma fragmentada, com transições quase imperceptíveis e uma condução que exige esforço constante para tentar encontrar sentido, como se o próprio filme resistisse à ideia de se fazer compreender. O resultado é uma experiência que se pretende contemplativa, mas que em muitos momentos beira a dispersão completa.
Chama atenção também a escolha de tornar o espanhol mais presente do que o português. A protagonista aprende castelhano, se envolve com um argentino e boa parte da narração ocorre nesse idioma, o que contribui ainda mais para a sensação de distanciamento e ausência de vínculo com o Brasil, mesmo sendo esse o cenário em que tudo se passa.
Apesar da proposta promissora de retratar a vivência de imigrantes chineses no Brasil — algo raro no cinema contemporâneo — o filme se distancia tanto de seus personagens e de seu próprio tema que pouco resta além da superfície. As ideias estão ali, mas o impacto é raso. Tudo parece mantido em suspensão, sem jamais emergir com força suficiente para provocar ou emocionar¨.
“O filme é lindo e apresenta um ponto de vista sobre o Recife e sobre o Brasil, a partir do estrangeiro, nunca antes visto. Poliglota, contém graça, estranheza e Gal Costa”. Foi com essas palavras que o cineasta Kleber Mendonça Filho, responsável por “O Som ao Redor” e “Bacurau”, descreveu “DORMIR DE OLHOS FECHADOS”, que chega aos cinemas no dia 11 de setembro pela Sessão Vitrine Petrobras.
O filme, dirigido pela alemã Nele Wohlatz, é produzido por Emilie Lesclaux ao lado de Kleber Mendonça Filho. A história segue o olhar de Kai, que vem de Taiwan passar férias do Brasil e conhece outros estrangeiros que pulam de cidade em cidade em busca de trabalho. Entre encontros e desencontros, ela se conecta com as histórias dessas pessoas — especialmente a de Xiaxin — e tenta decifrar um país e uma cultura muito diferentes dos seus.
Lançado mundialmente no Festival de Berlim, “DORMIR DE OLHOS FECHADOS” saiu do evento eleito o melhor da seção Encontros, segundo a Federação Internacional de Críticos de Cinema, a Fipresci. Em seguida, fez um longo percurso com passagens por alguns dos festivais mais importantes do mundo, como IndieLisboa, Kárlovy Vary, San Sebastián, Mostra de Cinema de São Paulo e Festival do Rio, sua estreia nacional, com uma sessão apresenta por Kleber Mendonça Filho.
Para estrelar esta comédia silenciosa de mal-entendidos com uma dramaturgia bem longe do tradicional, Wohlatz recrutou atores iniciantes e profissionais, como o argentino Nahuel Pérez Biscayart, de “120 Batimentos por Minuto”. O longa-metragem é falado em mandarim, português, espanhol, inglês e alemão.
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