CRÍTICA BY RAPHAEL RITCHIE: ¨ Ne Zha 2 aposta alto na mitologia, na estética e na emoção. A animação impressiona com batalhas grandiosas, efeitos visuais que lembram gráficos de videogame e criaturas mágicas que ocupam a tela com imponência.
Tudo parece milimetricamente construído para o impacto, desde os dragões em pleno voo até os cenários que misturam o épico e o divino com uma naturalidade quase hipnótica.
No centro da trama, está a dualidade entre Ne Zha e Ao Bing, dois heróis ligados por um destino compartilhado — e por um mesmo corpo, reconstruído num lótus sagrado após uma batalha que quase os destruiu. A escolha de dividir o protagonismo funciona até certo ponto.
Ne Zha continua sendo a alma da história, com seu carisma rebelde e energia instável. Ao Bing, por outro lado, tem menos presença, mas ganha profundidade emocional conforme a narrativa avança.
O roteiro equilibra bem os momentos de ação com reflexões mais delicadas sobre sacrifício, identidade e a pressão de corresponder a ideais que vêm de fora. A mistura entre tradição mitológica e questões mais contemporâneas funciona como base para um tipo de herói que não é simplesmente forte, mas também vulnerável, político e, às vezes, desconcertante.
E mesmo com algumas piadas escatológicas e um humor voltado ao público mais jovem, o filme não perde o peso de sua mensagem.
E essa mensagem está muito clara. Em vários momentos, os diálogos apontam diretamente para uma crítica ao mundo como ele é: os vilões representam uma elite que usa o medo para dominar as pessoas e concentram poder nas mãos de poucos.
Ao mesmo tempo, o protagonista ouve que, se não for aceito, deve criar o seu próprio mundo — o que soa como um reflexo da própria postura da China no cenário internacional.
Não à toa, Ne Zha 2 já é a animação mais assistida da história no mundo. Um sucesso que nasceu da força do público chinês, mas que mostra como histórias locais, com estética própria e mitologia enraizada, podem ecoar longe. Mais do que um produto cultural, o filme se transforma numa vitrine do que a China quer mostrar sobre si mesma: força, independência e sensibilidade.
No Brasil, a recepção pode ser mais tímida. O primeiro filme nunca chegou aos cinemas por aqui e nem está disponível em plataformas oficiais. Mas essa sequência tenta contornar o problema com uma breve retrospectiva no início e flashbacks ao longo da trama. Funciona o suficiente para quem está chegando agora, mesmo que quem já conhece a saga vá aproveitar mais.
Ne Zha 2 é mais do que uma sequência. É um épico animado que mistura tradição, crítica social e emoção com coragem. E mostra como uma animação pode ser, ao mesmo tempo, entretenimento e posicionamento¨.
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