Crítica by RAPHAEL RITCHIE: ¨A História do Som se constrói a partir de um gesto simples e íntimo: preservar aquilo que se escuta antes que desapareça. Lionel e David, dois jovens ligados pela música folk no Conservatório de Boston, compartilham não apenas o amor por essas canções populares, mas uma conexão que atravessa o tempo, o afeto e o silêncio imposto por contextos históricos.
Quando anos depois Lionel recebe uma carta de David e parte numa viagem pelo interior do Maine, o filme nos convida a percorrer paisagens onde as vozes antigas ainda ecoam, onde os sons carregam memória e pertencimento.
O registro sonoro não é apenas o objetivo da viagem. Ele é o próprio motor da narrativa. Os aparelhos de gravação, os ruídos do ambiente, os sotaques, as canções que resistem ao tempo e aos apagamentos, tudo isso se transforma em personagem.
A música não funciona aqui como trilha emocional. Ela é documento, é identidade, é corpo que pulsa mesmo quando a imagem está em repouso. O som preservado revela não só a cultura de uma época, mas também aquilo que não podia ser dito de outras formas.
A relação entre Lionel e David se dá mais pelos gestos do que pelas palavras. Não é um romance escancarado, nem uma história de amor convencional. Mas está lá, nos olhares, nas cartas, no cuidado com que Lionel segue os rastros deixados por David.
O filme entende o contexto em que se passa e respeita os limites impostos por ele. Ainda assim, não esconde o desejo, nem apaga a força desse vínculo que mistura afeto, admiração e cumplicidade.
O ritmo é calmo, quase contemplativo. Há quem sinta falta de um arco mais definido, de um clímax, de um conflito mais evidente. Mas talvez a proposta seja outra. O filme prefere caminhar devagar, escutar o ambiente, observar as pequenas interações, registrar o que está prestes a sumir.
Como road movie, ele segue fragmentado. Como peça de memória, ele se alinha com o gesto de arquivar não só sons, mas vidas.
A fusão de gêneros pode afastar quem espera foco exclusivo em romance, ou em drama histórico, ou em musical. Porque A História do Som tenta ser um pouco de tudo, e às vezes, por isso mesmo, pode parecer que não se aprofunda totalmente em nenhum.
Mas existe algo de delicado nessa proposta. Uma tentativa de resgatar o que é efêmero, de construir um museu sensível de sentimentos, canções e existências que por muito tempo foram deixadas de lado.
É um filme que pede mais escuta do que atenção. Que não entrega catarse imediata, mas propõe uma viagem silenciosa por dentro das paisagens sonoras do passado.
E talvez, ao escutar essas vozes antigas, a gente também ouça um pouco mais da nossa própria história¨.




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