Crítica by RAPHAEL RITCHIE: ¨A Incrível Eleanor escolhe como protagonista uma mulher de 94 anos. Só isso já altera a forma como a gente assiste ao filme, como sente o tempo passando, como percebe o mundo pelos olhos de alguém que viu tanta coisa. Eleanor não é uma idosa sábia ou caricata, não está ali para ser símbolo de nada.
Ela acabou de perder a melhor amiga, com quem dividia a rotina, as pequenas manias e os silêncios que só décadas de convivência constroem. A perda desloca tudo. E o filme parte desse luto para mover a personagem de volta a Nova York, para perto da filha e do neto, onde talvez alguma nova forma de existência possa começar.
Mas não exatamente um recomeço. Um improviso. Ao se ver por acaso num grupo de apoio a sobreviventes do Holocausto, Eleanor decide assumir a história da amiga. Não por maldade. Mas porque ali, entre desconhecidos, com uma dor emprestada que ela entende por tabela, surge a chance de pertencer a alguma coisa de novo. O filme não julga esse gesto.
E nem a gente. Pelo contrário, convida a acompanhar a personagem nesse processo de reconstrução, de invenção, de tentativa. Identidade, memória, afeto, tudo se mistura com o que a gente escolhe carregar dos outros para continuar andando.
A relação entre Eleanor e Nina, a jovem estudante de jornalismo, dá ao filme um respiro. Não só pelo contraste entre gerações, mas porque ali aparece uma escuta, uma curiosidade mútua, um tipo de conexão que foge do óbvio. Nina não é exatamente carismática, nem Eleanor é fácil.
Mas existe uma entrega entre as duas, uma abertura que gera movimento. É nesse encontro que o filme costura as camadas da mentira, da verdade e da ficção emocional.
O tom da direção oscila entre humor contido, embaraço emocional e uma tristeza que nunca explode. Scarlett Johansson, agora do outro lado da câmera, aposta numa narrativa que não se apressa. Às vezes hesita entre comédia e drama, às vezes parece não ir tão fundo quanto poderia em temas delicados, mas mantém uma coerência de olhar.
Há quem questione a decisão de Scarlett assumir esse projeto em meio a polêmicas sobre suas posições políticas. E essa tensão pode atravessar o olhar de quem assiste, principalmente pelo tema que envolve o Holocausto e a apropriação de narrativas alheias. Ainda assim, o filme parece mais interessado em sutileza do que em provocação.
A Incrível Eleanor não traz grandes revelações. Move-se por pequenas escolhas que, no fim da vida, ainda podem mudar tudo. A solidão que resta quando se perde uma parte de si. A tentativa de continuar existindo mesmo quando já parece tarde demais¨.




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