Crítica by Raphael Ritchie: ¨Silvio Santos Vem Aí escolhe um momento improvável da história brasileira para lançar luz sobre um dos personagens mais populares da nossa televisão.
A eleição de 1989 é o pano de fundo, mas o filme não está exatamente interessado nos detalhes da corrida presidencial.
O que ele quer, na verdade, é entender o que acontece quando um homem acostumado a controlar a própria imagem se vê exposto, vulnerável e cercado por forças que não pode manipular.
Leandro Hassum, num movimento de virada clara em sua carreira, assume o desafio de viver Silvio Santos com uma composição que não busca imitação caricata, mas uma aproximação mais íntima, quase melancólica. Mesmo assim, em alguns momentos, a performance escorrega para o exagero, como se o esforço em ser fiel ao jeito de falar e gesticular do apresentador tomasse o lugar da complexidade emocional do personagem.
É um Silvio menos apresentador e mais bastidor, mais homem do que lenda, mais dúvida do que certeza. E é justamente esse recorte que sustenta o tom do filme, o de revelar não o ícone, mas o que escapa dele.
A personagem de Marília, vivida por Manu Gavassi, surge como esse olhar externo que tensiona a narrativa. É ela quem nos guia pelos bastidores da campanha e pelos bastidores da televisão, como se um não existisse sem o outro. Marília é uma jovem marketeira idealista, mas não ingênua, e seu encontro com Silvio é menos uma batalha e mais um embate de visões.
É através dela que o espectador acessa o universo do “Homem do Baú” e percebe que por trás das câmeras, do auditório, do carisma e da voz grave, também existe hesitação, manipulação e uma necessidade quase compulsiva de controle.
A direção de Cris D’Amato opta por uma estética que mistura com naturalidade o brilho do entretenimento popular com a gravidade do momento histórico. A televisão está por todos os lados, não só como cenário, mas como linguagem.
A campanha é espetáculo. O jornalismo, performance. E o próprio Silvio parece entender que sua força política vem justamente da imagem que ele construiu na frente das câmeras, e que agora precisa manter fora delas.
Há um esforço evidente na reconstituição de época. Os figurinos, os programas de auditório, os jingles, os bastidores das gravações, tudo é usado para reforçar a sensação de que estamos numa década em que a TV ainda ditava comportamento, ainda tinha um poder quase hipnótico sobre o público. E nesse sentido, o filme funciona como um retrato não apenas de um homem, mas de uma era em que a comunicação era central, mas nem sempre transparente.
Ainda assim, existe uma sensação constante de que o roteiro pisa em ovos. Há um cuidado quase reverente na forma como Silvio é retratado, como se a figura pública não pudesse ser contrariada nem mesmo na ficção.
O filme evita os aspectos mais controversos de sua trajetória, não toca em feridas, não se arrisca a mostrar lados mais ambíguos ou contraditórios. Em muitos momentos, o que se vê é uma versão domesticada do mito, quase como se fosse o próprio apresentador dirigindo sua cinebiografia com o controle remoto na mão.
Silvio resiste. A exposição o incomoda. O jogo político o engole mais rápido do que ele esperava. E é nesse conflito que o filme deposita sua tensão. Entre o desejo de ser mais do que apresentador e o medo de perder o controle sobre a narrativa da própria vida. Ele não é desmontado, nem elevado.
Apenas olhado de perto. E talvez seja nesse olhar torto, entre bastidores, câmeras e promessas de campanha, que apareçam os fragmentos mais reais do mito¨.







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