Crítica by Raphael Ritchie: ¨Guillermo del Toro não tenta reinventar Frankenstein. Em vez disso, se entrega à essência do texto original, com todas as suas culpas, ausências e dores, e encontra ali o espaço perfeito para falar, com a melancolia que lhe é própria, sobre o peso de existir.
O foco não está no susto, no monstro, nem sequer na transgressão científica em si, mas sim no que isso tudo revela sobre legado, abandono, paternidade e arrependimento.
Victor não é apenas o criador. É o homem que se recusa a cuidar daquilo que colocou no mundo, que se envergonha do que não corresponde à expectativa, que transforma a própria criação num espelho torto daquilo que mais teme ser. E a criatura, por sua vez, não é uma aberração.
É alguém que sente, que deseja afeto, acolhimento, pertencimento. Um corpo rejeitado que grita por nome, rosto e lugar. O filme constrói esse vínculo com delicadeza. Os encontros entre os dois são marcados não pela ação, mas por silêncios e ausências, numa dança trágica entre quem implora por amor e quem nunca aprendeu a amar.
Del Toro filma tudo com uma grandiosidade visual que não é vazia. Existe uma estética operística na forma como a história avança, como se o tempo escorresse lentamente pelos cenários góticos, pelas simetrias calculadas, pela luz que parece sempre atravessada por uma lembrança.
A direção de arte é precisa, a fotografia conversa com o luto, e a trilha sonora carrega em si uma dor quase antiga. É um filme que se sente mais com o peito do que com os olhos.
Mas há algo de previsível na forma como tudo se encaminha. Mesmo com tanto esmero, o roteiro abraça um caminho já esperado, como se faltasse a faísca de risco que tornaria essa versão realmente única.
A beleza é inegável, mas em alguns momentos ela parece conter a história, em vez de impulsioná-la. E por mais que o tom seja contemplativo por escolha, o ritmo lento combinado com a longa duração exige uma entrega que nem sempre se justifica.
Talvez o que mais surpreenda aqui seja o fato de uma obra assim ter surgido na Netflix. Uma plataforma que, entre fórmulas e lançamentos descartáveis, ainda reserva espaço para projetos autorais com escopo ambicioso e alma artesanal. Frankenstein não é um filme fácil, e talvez nem seja inesquecível.
Mas dentro do catálogo em que nasceu, e dentro da tradição da criatura que representa, ele ainda tem algo a dizer. Mesmo que já tenhamos ouvido antes, ouvir pelas mãos de del Toro muda o impacto das palavras¨.






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